sábado, 9 de janeiro de 2010

FESTAS DE SÃO JOÃO EM BRAGA

As Festas de São João, sendo embora de cariz profano-popular, têm raíz religiosa, desde logo em tomo da figura de São João Baptista, descrita nos textos bíblicos em fugaz relance biográfico, designadamente no que se refere à sua intervenção na vida e doutdna de Jesus, que anunciou e reconheceu como verdadeiro Messias.
Esta personagem religiosa é hoje festejada através de inúmeros elementos característicos dos cultos pagãos que ao longo dos séculos se têm infiltrado nas práticas religiosas, o que permite compreender que as Festas de São João de Braga tenham algumas Características que associam o Precursor ao divertimento.
Quanto às raizes históricas destes festejos, não tem sido fácil defini-las. Segundo escassos documentos, terá sido na Idade Média (século XV) que pela primeira vez se realizaram. Eram, contudo, festas totalmente litúrgicas com missas, sermões, cânticos e, essencialmente, procissões, organizadas por confrarias. É a partir de 1517 que se começam oficialmente a organizar actos públicos e sociais, que se vão associando aos actos religiosos. A Câmara Municipal organiza o "Candeleiro", a "Corrida do Porco Preto", as "Peles", as "Serpes", as 'Carvalhadas", a "Mourisca" e outros actos públicos.
A organização destes eventos era oficialmente delegada nos regadores da cidade que por sua vez requisitavam alguns extractos sociais corporativos com carácter obrigatório e punitivo se não o cumprissem.
Também as freguesias da cidade eram obrigadas a limpar as ruas, bem como a trazer as ervas cheirosas para espalhar naquelas onde passavam as procissões e cortejos - tarefa hoje representada pelo "Carro das Ervas".
Muitos dos usos e costumes desta época caíram já no esquecimento. Referimo-nos, por exemplo, ao "Candeleiro", à "Corrida do Porco Preto", às "Serpes', às "Ciganas Bravas", à "Dança das Peles" e à "Mourisca'.
O "Candeleiro"era um andor com um enorme círio adornado que a Câmara Municipal ofertava, sendo solenemente transportado em cortejo da Casa Municipal para a Sé, acompanhado por todo o Senado Municipal, bem como pelas bandeiras de Nossa Senhora da cidade, de São João e outras e pelas guardas municipais.
A "Corrida do Porco Preto" aparece, segundo alguns escritos, no ano de 1575. Era uma diversão com cariz profano, oficializada e organizada pela Câmara, que compreendia um cortejo no dia 24 de Junho. O porco preto - símbolo de animal feroz - era devidamente preparado e largado nos arredores do Monte Picoto, sendo empurrado pelos montadores para a Ponte de S. João, onde o esperavam duas facções corporativas formadas por moleiros e sapateiros. O prémio era o próprio porco. No final, os montadores, fidalgos e todas as autoridades municipais, em cortejo organizado, dirigiam-se ao Largo do Paço, onde os esperava um beberete composto por frutas da época e vinho tinto e branco. Anos mais tarde, esta diversão foi proibida pelo governador.
A "Serpe" representava uma serpente monstruosa, de corpo sarapintado, transportada por vários rapazes, dos quais apenas se via os pés. Competia aos alfaiates apresentarem essa figura.
As "Ciganas Bravas" eram um grupo.de quarenta mulheres, usando trajes vistosos, precedidas por dois guias que abriam caminho para a passagem das procissões e cortejos avançados. Hoje, esta função é executada pela cavalada que lidera as procissões.
A "Dança das Peles" era executada por duas, raparigas-padeiras uma sobre os ombros da outra, ao som de adufes e pandeiros. Rodeadas por mais moças, penteadas com ricos toucados e jóias.
A "Mourisca" era composta por doze homens vestidos à mouro, cantando e dançando com o seu rei, fazendo parte da procissão. A Câmara, em 1532, concede a carta de ordenança e privilégio e fixa os deveres aos mouriscos, sujeitando-os a um conjunto de obrigações e audiências. Eram vestidos e ornamentados a expensas suas. A Câmara dispendia, no entanto, algumas centenas de réis para o beberete e para a compra de adornos para a mourisca. Tudo isto se passa no século XVI. A partir do século XVII, a Igreja Católica proibiu a apresentação da "Mourisca" por a achar imprópria para acompanhar tão solene e respeitosa procissão. Numa tentativa de evitar a sua exclusão, o povo procurou modificá-la, impondo-lhe um carácter religioso. Para tal, trocou os trajes mouros por hebraicos, conduzidos também por um rei hebraico, chamado Rei David. Soube o povo assim inspirar-se na história hebraica e na Sagrada Escritura, a fim de resistir à destruição das suas tradições. A «Dança do Rei David» tornou-se, assim, típica nas Festas de São João.
No século XVII (1616), o arcebispo D. Diogo de Sousa mandou construir uma capela a São João Baptista, em tomo da qual passam a ser feitos os festejos sanjoaninos, capela ainda hoje bem conservada no Parque da Ponte.
Em voga nesta época estavam os "Autos Sacramentais", que se traduzem em peças teatrais que tomam por tema um assunto religioso. No século XVIII aparece a figura de São Cristóvão. Conta a história que, estando o santo na margem do rio, lhe apareceu uma criança pedindo que a transportasse à outra margem, uma vez que o seu ofício era levar viajantes de uma margem à outra. Daí a razão para ainda hoje vermos a figura de São Cristóvão no meio do rio Este.
Quanto ao "Carro dos Pastores", a sua existência radica num auto criado para celebrar o nascimento de São João Bapfista e que consta de dois actos: o primeiro retrata a aparição do arcanjo de São Gabriel a Zacarias, anunciando-lhe o nascimento do filho; o segundo apresenta o Precursor já nascido, revelando o júbilo e a alegria popular, que é representada no auto pelo coro, sendo este constituído por crianças vestidas por trajes tradicionais, ao gosto pastoril.
No século XIX, as Festas de São João começam a ter uma configuração diferente. As decorações são feitas a cebo e azeite, em copos de papel com respectivas gazetas ou tigelas de barro, adornos espalhados por toda a montanha do Picoto, pela velha Ponte e pelos arredores da capela, bem como pelas margens do rio Este. Realizavam-se vários concertos musicais por bandas, que animavam o povo. A maior festa realizava-se no dia 23 de Junho, quando meia dúzia de fornos ardiam para assar saborosos anhos. Dezenas de mesas com café e doces de cristalino açúcar abundavam por toda a zona do arraial. Pela noite dentro, no alto da montanha do Picoto, ocorriam grandes sessões de fogo de artifício. No dia 24, de manhã bem cedo, saía o "Carro das Ervas", o "Carro dos Pastores" e o do Rei David". À tarde, saía da Sé Catedral a majestosa procissão de São João, principal cartaz das festas da Cidade.
No final do século XIX (1893), foi inaugurada a luz eléctrica na cidade de Braga. Os festejos nesse ano foram brilhantes, com um programa enriquecido com grandes quantidades de fogo de artifício, quadros bíblicos no Rio Este, concurso de quadras populares, coros de virgens, certames musicais, feira franca, corridas de cavalos, exercício de bombeiros e exposições nos estabelecimentos públicos, para além dos tradicionais "Carro das Ervas', "Carro dos Pastores" e "Rei David".
Desde os anos quarenta, as festas têm sido bastante diferentes e muito enriquecidas, ano após ano, tendo perdido o cariz fortemente religioso e caminhando para o profano-popular. Têm hoje um programa recheado de verdadeiros atractivos, que chamam milhares de pessoas à cidade.
Merece particular referência a elaboração dos cartazes e da ornamentação, há alguns anos a fio da autoria do artista bracarense José Veiga. Este mestre foi o autor de muitos cartazes e dos desenhos usados na ornamentação luminosa.